quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Projeto Arquitetônico - Transformação Radical da Favela da Serra

Estudantes da UFMG recebem prêmio na Europa por projeto arquitetônico que propõe transformação radical da favela da Serra, em BH

Itamar Rigueira Jr.

O problema é o seguinte: em 2030, serão 9 bilhões de habitantes num mundo cada vez mais urbano – este ano, a população das cidades superou pela primeira vez a das áreas rurais do planeta. O que propõem os estudantes de arquitetura e urbanismo espalhados pelos cinco continentes para tornar as cidades habitáveis?
A questão foi posta pela International Federation for Housing and Planning (IFHP), uma das entidades mais respeitadas do mundo na área de arquitetura e urbanismo, em concurso para estudantes. Cinco alunos da Escola de Arquitetura da UFMG apresentaram sua proposta de solução. O objeto do trabalho foi a ocupação de encostas, onde se formam as favelas, fenômeno comum no Brasil e em diversos outros países. Eles imaginaram uma forma de transformar esse tipo de assentamento a partir de seus próprios problemas, criando maior número de residências e, ao mesmo tempo, mais áreas verdes e espaços públicos. E mais: a favela do futuro seria melhor servida por transporte urbano e produziria alimentos, energia e empregos.
Resultado: Bernardo Araujo, Éder Andrés, Isabel Brant, Mateus Andreatta e Thiago Campos, orientados pela professora Maria Lúcia Malard, foram finalistas do concurso. Eles estiveram no congresso da IFHP em Copenhague, na Dinamarca, em setembro, e receberam menção honrosa da entidade pelo projeto Uma microcomunidade resolvendo problemas globais. O objeto do estudo foi o Aglomerado da Serra, comunidade de 50 mil habitantes na região centro-sul de Belo Horizonte.
De acordo com Isabel Brant, do 8º período, a favela foi escolhida porque é um ambiente com enorme quantidade de problemas. “Se é possível resolver as questões das favelas, que já são caóticas e têm tudo que se imagina para os grandes aglomerados do futuro, será mais fácil atuar em outros tipos de povoamento”, afirma.
“Nossa idéia é viável”, garante Bernardo Araujo, colega de turma de Isabel. O projeto baseia-se apenas em tecnologias existentes. Sua concretização, na opinião dos estudantes, não é ímpossível. “Depende de vontade política e do entendimento de diversos agentes da sociedade”, receita Bernardo.
Maquetes do projeto Uma microcomunidade resolvendo problemas globais
“Lotes aéreos”
Os estudantes resolveram seguir à risca a ênfase dada pelo concurso à questão do aumento populacional. No caso de Belo Horizonte, as projeções apontam 1 milhão de habitantes a mais em 20 anos – a população atual beira 2,5 milhões de pessoas. “Acompanhamos essa tendência e tratamos do que já existe, locais já habitados e que vão crescer inevitavelmente”, explica Thiago Campos, aluno do 9º período. O projeto pretende reunir qualidades da habitação horizontal e da vertical, além de aproveitar as características das encostas. Os alunos planejaram a implantação de três tipos de construção, em metal ou concreto (ou ambos, sempre dependendo do custo). A primeira delas, destinada às moradias, ganhou o apelido de “grelha de habitação”.
Essa estrutura acompanha a inclinação do morro e cria vilas suspensas que, por sua vez, dão origem ao que a equipe chama de “lotes aéreos”, onde seriam construídas as casas. A ocupação das vilas seria ordenada e uma parcela significativa desses lotes, composta de praças, espaços gramados, quadras esportivas e outros locais de convivência social e cultural. Ali poderiam ser instalados também edifícios públicos como postos de saúde e delegacias de polícia.
“O projeto estimula a vida coletiva e se inspira em uma das grandes qualidades dessas ocupações, o sentimento de identidade entre os moradores, que se alia à vocação para a vida em grupo e a solidariedade”, conta Isabel. A estrutura da grelha seria dotada de poderosos sistemas de coleta e reutilização de água da chuva, geração de energia solar e reciclagem de lixo, além de garantir a circulação de ar e entrada de luz, através dos lotes sem construção destinados ao lazer e à convivência.
Bondinhos e suinocultura
O segundo tipo de construção previsto pelo projeto seria a base de uma nova estrutura de transporte no Aglomerado. Ali ficaria a estação central de bondinhos para servir os moradores internamente, ligando as partes altas da favela e o sistema de integração ao metrô. Esse prédio, igualmente capaz de aproveitar a energia do sol e captar água para reciclagem, também teria função comercial, centralizando o funcionamento de lojas e outros serviços nem sempre encontrados nas favelas.
O Aglomerado que emerge da prancheta dos estudantes da UFMG também reserva espaço para a produção de alimentos. O projeto propõe prédios verticais que concentrariam a atividade, tendo a suinocultura como carro-chefe e a geração de energia (biogás) como subproduto. A produção de derivados de suínos já existe nesse tipo de ocupação urbana, mas é dispersa e ineficiente. “O produto ficaria mais acessível ao consumidor final e empregos seriam criados dentro da própria comunidade”, explica Thiago Campos.
Em seu modelo de favela do futuro, os jovens da UFMG sugerem sistemas de produção de energia – de várias fontes e não-agressiva – que gerariam excedentes, transformando a comunidade em vendedora de energia. A nova realidade aproximaria o aglomerado da sustentabilidade, além de ajudar na incorporação harmoniosa da favela à vida da cidade.
A professora Maria Lúcia Malard, orientadora dos estudantes, exalta o pragmatismo do trabalho. “A idéia contempla a necessidade de uma ocupação racional, que melhore as condições de habitação do local sem deslocar as populações”, diz Maria Lúcia. Ela recomenda que as soluções do projeto sejam implantadas a partir da formação de cooperativas de moradores, talvez com apoio do poder público.
Direto do Velho Continente
Estudantes estiveram em Copenhague, onde apresentaram soluções para as vilas da Serra
Bernardo, Éder, Isabel, Mateus e Thiago receberam a menção honrosa nos dias 24 e 25 de setembro, em Copenhague, capital da Dinamarca. O concurso promovido pela International Federation for Housing and Planning (IFHP) – organização criada em 1913 pelo arquiteto e urbanista inglês Ebenezer Howard, que criou o conceito de cidade-jardim – é um dos mais importantes em âmbito mundial. A edição de 2007 fez parte do 51º congresso da organização e recebeu a inscrição de 193 equipes de todo o mundo.
Os Futuros da Cidade foi o tema do concurso, que pretendia estimular a discussão em torno de possíveis soluções. As propostas e intervenções tinham total liberdade de espaços, escalas e públicos e precisavam atender a pelo menos uma das quatro categorias propostas: planejamento urbano, qualidade urbana, edificação e habitação. Submetidas a um júri internacional, 11 equipes foram escolhidas como finalistas e convidadas a participar do congresso de estudantes e da cerimônia de premiação.
O júri destacou que um dos méritos do projeto mineiro foi a abordagem do desenvolvimento urbano das favelas, áreas comuns em grandes cidades do mundo inteiro, levando em conta o estado precário em que essas populações vivem atualmente. O adensamento aliado a novas possibilidades de lazer e produção foi também mencionado, além da apresentação clara e organizada. O trabalho foi desenvolvido no âmbito da disciplina optativa Tópicos em Projeto, ministrada pela professora Maria Lúcia Malard.
Imagens do projeto no link:
http://www.ufmg.br/boletim/bol1588/4.shtml

4 comentários:

Anônimo disse...

Favela do futuro? "De forma mais ordenada"? Encaixotar e empilhar pessoas, essa é a ordem! Espaço geométrico, funcional, predeterminado, controlável...

Muda a estrutura mas não deixa de ser favela? Então o que faz uma favela ser favela são as pessoam que ali habitam, não a estrutura. Os arquitetos do futuro, pelo menos, são mais diretos no recado!!!

Esse projeto facilitaria muito o trabalho do Secretário de Segurança do Rio que já vem frizando: Buscá-los [os traficantes] na Zona Sul, no Dona Marta, no Pavão-Pavãozinho, eu [polícia] estou muito próximo da população. É difícil a polícia ali entrar. Porque um tiro em Copacabana é uma coisa, um tiro na Coréia, no Alemão, é outra. E aí?. Calma Sr. Secretário! Com a favela do futuro é só implodir que tá tudo resolvido.

Para os arquitetos do futuro um desafio: Que tal um futuro sem favelas?

Anônimo disse...

e a tal "grelhas de habitação"... cara, imagine se alguma construtora chamasse seus condomínios de classe média ou alta de grelhas...

Carolina Suzuki disse...

A questão não é implodir ou atirar. Isso são problemas culturais que infelizmente se passa quando a população não tem nem educação, e nem cultura para viver bem. Aliás, isso não é um fator apenas brasileiro. Somos animais, lutamos pelo ter, pelo ser. Fazendo ou não essa construção, terão ali os problemas.

O projeto é muito interessante, empilhar pessoas, de forma que o espaço seja melhor utilizado. Porém, e quanto ao conforto ambiental? será que as casas que estão no patamar mais fundo ainda receberão todas as necessidades básicas de uma vivência confortável?

Culturalmente não acho que conseguiríamos melhorar a situação da favela. Esses "buracos" só serviriam para assassinos e suicidas, mas ao menos estariam num lugar bonito de se ver. Como se a ordem da vida fosse melhor controlada quando as ruas são retas.

Anônimo disse...

Resolver o problema social não é função do arquiteto.. Já se foi o tempo que os arquitetos acham ter esse poder, sendo que nunca tiveram.
O que ele pode fazer é projetar uma cidade mais acessivel, com condições de moradia melhor, que não seja atingica com desbarrancamentos etc.
Agora acabar com a pobreza e o tráfico? ah.. isso não é atribuição do arquiteto e urbanista..