segunda-feira, 29 de outubro de 2007

UMA ONTOLOGIA DO CONHECIMENTO - FEMINISMO, CIÊNCIA E POSICIONAMENTO

Uma nova ontologia...nos responsabilizaremos?
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Ora, até que ponto essa outra ontologia do conhecimento, propostas por algumas feministas e explicitada nesse artigo, pode ser aplicável nos métodos e na metodologia de trabalho no Conexões de Saberes, ou no trabalho em conjunto com os movimento sociais? Quais são as nossas “(pseudo)ontologias” que carregamos desde pequenos, no primário e secundário, reproduzidas ou reconstituídas na universidade, que serão e são confrontadas com essa ontologia feminista? Estamos nós ainda em um “período pré-edipiano”, como estávamos no ensino fundamental, quando as células parecem ser células e os átomos, átomos (p.9)? Ou, ao estabelecermos críticas e mais críticas às ontologias opressoras, apenas “acabamos por ter mais uma desculpa para não aprendermos nada da física pós-Newton” (p.13)? Que ciência aprendemos a fazer na universidade, e qual queremos fazer? E qual podemos fazer, dentro das limitações, contingências, hierarquias acadêmicas e academicistas dos imperativos atuais tanto epistemológicos quanto políticos[1]?

O debate acerca da “objetividade” é, ao mesmo tempo amplo, conflituoso mas necessário, principalmente quando nós, do eixo 2, estaremos em pesquisas de campo, e utilizaremos todo um arsenal metodológico que tentará minimamente inserir nossas reflexões e escritos dentro do campo científico. O fazer ciência (que ciência?) requer uma objetividade. Propor concepções e elaborações a respeito do que seja a objetividade é fundamental para criar uma ciência que não se baseie na opressão e na deslegitimação de outros saberes, de outros modos de ver e viver o mundo. E precisamos de entender a ciência não como local privilegiado do conhecimento verdadeiro, tampouco como mero instrumento de dominação, mas como campo de lutas, onde então o posicionamento é fundamental. A principal luta é “a respeito do que terá vigência como explicação racional do mundo” ou, utilizando os termos de Haraway, “a luta a respeito de como ver”. Um filósofo francês apontou para a idéia de que as lutas dentro do sistema sócio-econômico atual são as lutas pelas Possibilidades. E a ciência é um rico exemplo dessas lutas. Outro filósofo francês pontuou que na nossa sociedade, a ciência detém o papel de formuladora e ditadora[2] da verdade. Ou seja, é nela que se dá a produção do discurso da verdade, e a disputa pela ciência é a própria disputa pelas possibilidades de definir o real, pela explicação racional do mundo, pelos modos de ver o mundo.

Uma outra ontologia do conhecimento científico nos lança a seguinte problemática: que tipo de ciência nós fazemos hoje? Estamos situando nosso conhecimento produzido? Assumimos a sua parcialidade, ou, mais uma vez, anunciamo-lo direta ou camufladamente como “o” conhecimento sobre a realidade? Isso nos leva a pensar até que ponto não se posicionar “já não é um posicionamento” ?! Em ultimo caso, qual é o nosso interesse ao tentar, enquanto projeto acadêmico, um diálogo com movimentos sociais? Estamos dispostos a nos responsabilizar pelos saberes localizados que buscamos constituir? Estamos dispostos a nos posicionar?

Acreditamos que o conhecimento faz parte das práticas de cada grupo social. Ele é sempre parcial e incompleto, sempre situado. E apenas o reconhecimento dessa parcialidade promoverá uma visão objetiva. Mas, será que dizer de onde e para quem se fala, se faz e se transmite conhecimento é falar de um posicionamento? E um posicionamento tendo como base o quê? Em um diálogo entre saberes e multiplicidades de saberes e conhecimentos, entre academia(s) e movimentos sociais (heterogeníssimos), que fundamentos, ideais, sonhos apropriar para um posicionamento? Argumentos como “Um mundo melhor” é genérico demais para se firmar, tentando dizer tudo, não diz sobre cousa alguma. Também elaborações ultra-eruditas não dizem muito, excetos para iniciados às letras, já que, como discutir a possibilidade de uma pós-democracia pós democrática em um contexto[3] onde nem a noção e a vivencia mais liberal, conservadora e reacionária de democracia não conseguiu se efetivar?

A proposta dessa concepção pós-epistemológica de objetividade reside na própria reflexão de objeto-sujeito: só existem numa relação, onde a delimitação do objeto é o conhecimento do sujeito. Delimitar o objeto é evidenciar a relação parcial e política de um sujeito ante a “realidade concreta”. O problema da objetividade é que ela foi concebida como neutralidade axiológica e pressuposto para um cientificismo positivista e absolutista. Em uma nova ontologia do conhecimento, devemos ter a escureza[4] de que a crítica feminista propõe que quando nós “recortamos a realidade” e delimitamos um “objeto”, estamos exercendo uma relação de poder, pois estamos criando esse objeto “a nossa imagem e semelhança”. O que não devemos fazer é como os pais “desumanos” que não reconhecem os filhos e se opõe a qualquer afirmação que evidencie a cor do filho com a cor do pai, os traços do filho com os traços do pai. Ao estabelecermos, em nosso projeto, um objetivo, e um objeto, estamos necessariamente dizendo que utilizaremos de uma objetividade. Qual será? Logo, a escolha da concepção de objetividade determina nosso objeto, nossa relação com esse objeto, nossos objetivos e nossos subjetivos.
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[1] Política tanto no seu sentido lato, onde verificamos as relações hierárquicas e assimétricas de poder na universidade, quanto no seu sentido estrito e instrumental, onde verificamos a atuação das “políticas educacionais” governamentais e estatais e da lógica concorrencial capitalista.
[2] Tanto como “aquela que dita algo” quanto “aquela que age ditatorialmente”
[3] Onde uma mescla de escravagismo e autoritarismo ainda reside nas práticas estatais e nas relações hierárquicas de poder.
[4] Escureza quer dizer, em um, português parcial, “uma característica daquilo que é inteligível, coerente, não muito complicado de ser entendido”

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