Corpo A Corpo - Otávio Velho
O GLOBO
28/10/2007'
'A nação explodiu'
Da Ilha de Paquetá, onde mora, o antropólogo Otávio Velho protagoniza o debate sobre a trajetória da antropologia brasileira. Sem medo das reações, ele afirma que a nação explodiu.
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O GLOBO: O que está acontecendo com a antropologia brasileira?
OTÁVIO VELHO: A antropologia brasileira é um grande sucesso. Uma das antropologias no mundo que mais avançaram em termos de estudo da sociedade.Um prestígio fora do comum. Essa fórmula colaborou na construção de certa imagem do que seja o Brasil. Mas o que representou sucesso pode ser uma armadilha: repetir a fórmula que deu certo e não se dar conta de um novo modo de pensar a antropologia. O que sugiro é que essa construção de nação, hoje, se mostra restrita para dar conta de toda a diversidade que está se multiplicando de maneira vertiginosa para além das fronteiras do que imaginávamos ser a nação brasileira. A nação explodiu.
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€ Como os antropólogos devem agir agora?
OTÁVIO: Não podemos mais propor uma unidade do que seja Brasil, postulada a priori. Não podemos mais domesticar a realidade. Esta vontade de enxergar o conjunto não pode mais ser confundida com a vontade de aplicar um modelo preconcebido.
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€ O que de fato está acontecendo no país?
OTÁVIO: Estou aberto a enxergar tudo o que ocorre sem tachar, de antemão, de estranho e ilegítimo aquilo que não de encaixa na idéia que tínhamos sobre Brasil. Tinha mos, por exemplo, uma idéia de que os índios estavam restritos à Amazônia, como índios isolados, que pouco influenciavam no conjunto da vida nacional. Mas hoje te mos grupos que se consideram indígenas pipocando em todo país, alguns deles inclusive urbanos. índios no Nordeste e índios até no Sul, que era considerada uma região de colonização européia. Os quilombolas também surgem em todo o país. Essas manifestações são surpreendentes, embora vistas como estranhas e falsas.
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€ Vistas assim pelos seus próprios colegas...
OTAVIO: É curioso, porque o cientista social sabe que toda realidade social é construída. A pergunta que faço é: por que aceitamos este princípio geral de que a nação é uma construção histórica e, quando nos deparamos com estas construções de identidade indígena ou quilombola, não aceitamos? Não vamos aceitar só porque não cobrem uma visão que tínhamos de Brasil? A idéia que tínhamos de um Brasil mestiço não pode ser utilizada para não enxergarmos fenômenos que escapam desta imagem.
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€ O ponto mais crucial do debate interno é mesmo, a política de cotas raciais?
OTÁVIO: Esse debate tem si do interessante justamente porque dividiu a antropologia brasileira. Mas não é só ela. Fomos obrigados, a meu ver, a fazer uma discussão produtiva a respeito das representações que tínhamos de Brasil, questionando até que ponto este papel da antropologia na construção de certo tipo de imagem de Brasil continua sendo produtivo para o fazer antropológico. Hoje, temos de ser capazes não só de introduzir como objeto de nossos estudos, mas também como interlocutores, novos atores sociais, como, por exemplo, os chamados movimentos sociais, que questionam os limites da nacionalidade. A quebra de consenso entre os antropólogos, embora dolorosa, no longo prazo pode ser produtiva.
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Idéia de que "a nação, tal como foi pensada em 30 anos, acabou" provocou divisão na anpocs
Chico Otavio
CAXAMBU (MG).
Na subida da Serra da Mantiqueira, no ônibus que o levava a Caxambu, um grupo de jovens antropólogas brincava de fazer perguntas mútuas.Somava pontos aquela que conseguisse "construir um consenso". Horas depois, elas chegavam ao 31º Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). E, no debate para valer, tudo aquilo que elas e seus colegas não conseguiram fazer na estação das águas mineira foi construir consensos. No ano em que a Anpocs comemora o 32º aniversário, a antropologia enfrenta uma profunda crise, que opõe duas correntes em torno das novas formas de se pensar a formação da nação.
Logo no primeiro dia do congresso, que reuniu cerca de 1.500 antropólogos, sociólogos e cientistas políticos, um polêmico discurso pôs lenha na fogueira. Professor emérito da UFRJ e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o antropólogo Otávio Velho anunciou que a nação, tal como fora pensada nos últimos 30 anos, havia acabado. Disse que a antiga fórmula de pensar o país, razão do prestígio que a antropologia brasileira alcançou, tornou-se aos poucos uma armadilha para os cientistas, por não levar em conta "a diversidade que se multiplica de forma vertiginosa pelo país". Na ditadura, idéia era oferecer resistência à militarização. Otávio Velho se referiu ao modelo de nação elaborado pela antropologiadurante a ditadura militar. Na época, a idéia era oferecer resistência à militarização e, ao mesmo tempo, entender as profundas distâncias sociais na formação nacional. Para pesquisadores como Darcy Ribeiro, as três matizes étnicas (índios, negros e brancos), ao mesmo tempo em que se enfrentavam, se fundiam, fazendo surgir uma nova estrutura social no Brasil. Era, de certa forma, a aposta do mito da universalidade. Segundo Velho, a fórmula agora está restrita demais para dar conta das novas representações sociais, como gays, quilombolas e índios destribalizados, cuja existência "foi além das fronteiras que imaginávamos ser a nação". A reação não tardou. No dia seguinte, antes de iniciar sua apresentação sobre segurança, a antropóloga Alba Zaluar, da UERJ refutou a provocação:- Como Otávio pode dizer que a nação acabou e, agora, só restam os indivíduos, atomizados? Continuo elegendo os meus representantes, pagando as minhas contas e aturando os serviços públicos, como qualquer brasileiro. Portanto, temos ainda uma nação. A construção da nação não terminou. A crise começou há dois anos, quando uma corrente liderada pela antropóloga Yvonne Maggie, da UFRJ, lançou manifesto contra a Lei das Cotas Raciais. Em linhas gerais, dizia que o Estado não poderia assumir o papel de definidor da cor da pele, porque a última experiência mundial de diferenciação de pessoas pela cor ocorrera na Alemanha nazista.
Logo no primeiro dia do congresso, que reuniu cerca de 1.500 antropólogos, sociólogos e cientistas políticos, um polêmico discurso pôs lenha na fogueira. Professor emérito da UFRJ e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o antropólogo Otávio Velho anunciou que a nação, tal como fora pensada nos últimos 30 anos, havia acabado. Disse que a antiga fórmula de pensar o país, razão do prestígio que a antropologia brasileira alcançou, tornou-se aos poucos uma armadilha para os cientistas, por não levar em conta "a diversidade que se multiplica de forma vertiginosa pelo país". Na ditadura, idéia era oferecer resistência à militarização. Otávio Velho se referiu ao modelo de nação elaborado pela antropologiadurante a ditadura militar. Na época, a idéia era oferecer resistência à militarização e, ao mesmo tempo, entender as profundas distâncias sociais na formação nacional. Para pesquisadores como Darcy Ribeiro, as três matizes étnicas (índios, negros e brancos), ao mesmo tempo em que se enfrentavam, se fundiam, fazendo surgir uma nova estrutura social no Brasil. Era, de certa forma, a aposta do mito da universalidade. Segundo Velho, a fórmula agora está restrita demais para dar conta das novas representações sociais, como gays, quilombolas e índios destribalizados, cuja existência "foi além das fronteiras que imaginávamos ser a nação". A reação não tardou. No dia seguinte, antes de iniciar sua apresentação sobre segurança, a antropóloga Alba Zaluar, da UERJ refutou a provocação:- Como Otávio pode dizer que a nação acabou e, agora, só restam os indivíduos, atomizados? Continuo elegendo os meus representantes, pagando as minhas contas e aturando os serviços públicos, como qualquer brasileiro. Portanto, temos ainda uma nação. A construção da nação não terminou. A crise começou há dois anos, quando uma corrente liderada pela antropóloga Yvonne Maggie, da UFRJ, lançou manifesto contra a Lei das Cotas Raciais. Em linhas gerais, dizia que o Estado não poderia assumir o papel de definidor da cor da pele, porque a última experiência mundial de diferenciação de pessoas pela cor ocorrera na Alemanha nazista.
Imediatamente, Velho encabeçou outro manifesto para dizer que "a igualdade universal dentro da República não é um princípio vazio, e sim uma meta a ser alcançada".- Este evento dividiu, de fato, os antropólogos. Numa categoria que se orgulhava de ter sido a ciência que criticou o conceito de raça na política social, é estranho ver colegas defendendo este projeto - diz Yvonne. Para evitar o pior, foram excluídos do evento, encerrado quinta-feira, palestras e seminários que pudessem intensificar a crise ao discutir arevisão do conceito de nacionalidade. Participantes contaram que a cisão chegou ao ponto de antropólogos virarem a cara para colegas nos corredores do Hotel Glória de Caxambu, sede do evento. - Não estaria embutida neste projeto de revisão da nacionalidade umaposição orquestrada por determinado partido político? provocou. A professora Mirian Grossi, da Universidade Federal de Santa Catarina, prefere não falar em crise na antropologia. Para ela, o projeto de nação não acabou: - O que acabou foi a idéia de unidade cultural, durante muito tempo opensamento social brasileiro.
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