terça-feira, 27 de novembro de 2007

LOMBROSO RELOAD: BASE BIOLÓGICA DA VIOLÊNCIA ( QUE INCOMODA A CLASSE MÉDIA E ALTA )


Projeto de universidades gaúchas examinará mais de 50 menores infratores para investigar base biológica da violência


Grupo vai analisar aspectos genético, psicológico, social e cerebral de adolescentes; secretário da Saúde do RS é um dos mentores do projeto


RAFAEL GARCIA

ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE


"Eu estava sozinho na rua. Não tinha recurso. Ninguém queria me dar serviço. O que queriam me dar não dava dinheiro. Comecei a traficar, roubar, matar." A história de D.S., de 17 anos, interno da Fase (Fundação de Atendimento Socio-Educativo, antiga Febem gaúcha) parece ser comum entre as dos mais de 50 adolescentes homicidas que vão ter seus cérebros mapeados por um aparelho de ressonância magnética num estudo em Porto Alegre, no ano que vem.
Cientistas da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e da UFRGS (Universidade Federal do RS) querem saber se o que determina o comportamento de um menor infrator é sua história de vida e se há algo físico no cérebro levando-o à agressividade.
"Algo que sempre foi negligenciado foi o entendimento da violência como aspecto de saúde pública", diz Jaderson da Costa, neurocientista da PUC-RS que coordenará os trabalhos de mapeamento cerebral. A idéia é entender quais pontos são mais relevantes dentro da realidade brasileira na hora de determinar como se produz uma mente criminosa.
Para isso serão avaliados também aspectos genéticos, neurológicos, psicológicos e sociais de cada pesquisado. Serão examinados dois grupos: um de internos da Fase e outro de meninos sem passado de crime, para efeito de comparação. O projeto vai olhar para questões sociais, mas o foco é mesmo o fundo biológico da questão.
"Estamos nos baseando em trabalhos que já existem mostrando que há um período crítico no início da vida e que se uma criança é maltratada entre o 8º e o 18º mês ela adquire comportamento alterado na idade adulta", diz um dos mentores do projeto, o secretário de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, aluno de mestrado de Costa. "Decidi no ano passado retomar a neurociência como uma opção de vida; minha opção não é fazer política até morrer", diz.


Cabeça de agressor


Para os cientistas, um ambiente de desenvolvimento inadequado pode mesmo "fabricar" um psicopata: pessoa que despreza regras de convívio social e é desprovida de sentimentos de empatia e afeto.
O papel do mapeamento cerebral por ressonância magnética na pesquisa é tentar entender a manifestação física de problemas como esse. O trabalho que inspira Costa nessa área é um artigo do grupo do neurocientista português António Damasio publicado em 1999. O estudo mostra que meninos que sofreram lesões no córtex pré-frontal – região do cérebro próxima à testa – tinham sérios problemas de sociabilidade após crescer.
"A aquisição de convenções sociais complexas e de regras morais se estabelece precocemente", diz Costa. "Essas lesões podem resultar mais tarde numa síndrome parecida com a psicopatia." O cientista quer saber se, independentemente de lesões, meninos cronicamente violentos tenham atividade reduzida em alguma região do córtex pré-frontal, área cerebral ligada a tarefas mentais que envolvem juízo moral. "Não queremos que isso sirva como roupa sob medida para explicar todos os casos, mas pode explicar boa parte", diz.



Traumas e psicopatia


Na avaliação psicológica que complementará o estudo, três questionários serão aplicados. Um deles avalia se houve traumas na infância dos pesquisados, outro avalia o histórico de vida familiar e escolar. "Um terceiro tenta identificar se há ou não um traço de psicopatia ou comportamento violento extremo", explica Ângela Maria Freitas, psicóloga da PUC-RS que integra o projeto. O DNA dos meninos também será analisado.
O projeto de Costa e Terra ainda está sendo analisado por um comitê de ética da PUC-RS, e os cientistas se dizem confiantes de que a aprovação sairá para início dos trabalhos em março de 2008. O custo da empreitada, avaliado por Terra em cerca de R$ 120 mil, será coberto com doações da siderúrgica Gerdau para a pesquisa, afirma o secretário da Saúde.


FOLHA DE SÃO PAULO




Frases


Algo que sempre foi negligenciado foi o entendimento da violência como aspecto de saúde pública
JADERSON DA COSTA
neurocientista


Estamos "medicalizando" questões sociais
RENATO ZAMORA FLORES
geneticista


Esse conhecimento tem de ser referenciado para políticas públicas
OSMAR TERRA
secretário estadual da Saúde do RS

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Um comentário:

Anônimo disse...

Construir análises calcadas em experimentos e exames "biológicos", "empíricos", "comprovados", "computadorizados", que justificam hierarquias, preconceitos sociais e formas modernas e hierárquicas de controle social, parece uma boa estratégia para quem quer implementar certas políticas sociais, angariar fundos para pesquisa, perpetuar formas de opressão e exclusão. Os objetos de pesquisa, análise e de destino para pesquisas genéticas e neurocientíficas e para políticas públicas pautadas sob estas pespectivas serão, mais uma vez, os grupos sociais mais estigmatizados.. talvez raramente veremos cientistas fazendo pesquisas para uma política pública de saúde mental de homens brancos homens heteros de classe alta que cometem os atos tidos como desumanos como queimar índios, violentar negras ou empregarem o trabalho escravo em lavouras de cana ou fábricas de carvão. infelizmente, as políticas e os estudos incidirão sobre os grupos sociais que, assim como no séc. XIX, não são tidos como normais, como se o "normal" existisse e fosse referencia e quantificável.