Breve histórico do ensino superior brasileiro
Ou, por que as reitorias são ocupadas?
Ou, por que as reitorias são ocupadas?
por Fernando Silvério, estudante da PUC-SP, militante do Movimento A Plenos Pulmões
"Privatizaram sua vida, seu trabalho,
sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contentes querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence".
sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contentes querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence".
Brecht
Antes de falarmos sobre a situação atual da PUC, é necessário recuarmos um pouco no tempo e entendermos os processos de transformação que o ensino superior brasileiro vem sofrendo nas últimas décadas. Dessa forma, entenderemos que o Redesenho institucional não pode ser compreendido de forma isolada, e deve ser analisado no contexto dos projetos atuais que são formulados para as universidades.
As universidades privadas e o PROUNI
Durante os anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a partir da metade da década de 90, o Brasil acompanhou um enorme crescimento das universidades privadas. A baixíssima quantidade de brasileiros no ensino superior carecia de uma solução e, naquela conjuntura política, onde a iniciativa privada era professada como resposta para todos os males do país, a criação de universidades privadas surgia como a resposta mágica para o problema.
Assim, as instituições privadas passaram a ter muito mais facilidade para adquirir concessões e ter seus cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação - atraindo o interesse de diversos empresários e profissionais sem qualquer experiência com a área de educação, mas que enxergavam a possibilidade de obter grandes lucros com aquele mercado que se abria – e rapidamente se expandiram por todo o país. O ensino deixava de ser um direito de todos os cidadãos para se transformar em uma mercadoria a ser vendida, e as faculdades deixavam de ser unicamente instituições educacionais para tornaram-se empresas privadas. Os cursos que estas instituições passaram a oferecer, de modo geral, nunca primaram pela 'excelência acadêmica', mas sim por um tecnicismo voltado diretamente ao mercado de trabalho, isso é, uma forma de ensino que tem como fim exclusivo transformar os universitários em mão-de-obra qualificada para o mercado. E ainda assim, boa parte das vezes, só conseguem formar mão-de-obra semi-qualificada.
Os alunos dessas universidades, naturalmente, não seriam majoritariamente os filhos da classe média, mas, sim, os estudantes de classe média-baixa vindos do ensino público. Uma vez na faculdade, estes alunos tiveram enorme dificuldade em arcar com os custos das mensalidades, fazendo com que as universidades privadas tivessem muitos casos de inadimplência. Isso, somado ao quadro de recessão que o país viveu naqueles anos, gerou muitos problemas para as instituições privadas, e por volta do ano 2000 diversas delas já passavam por crise financeira.
Veio então o governo Lula e a criação do PROUNI, projeto que, sob o pretexto de ampliar as vagas nas universidades para alunos vindos do ensino público, repassava às faculdades privadas um considerável percentual das verbas que deveriam ser aplicadas na educação pública, conferindo lucro exorbitante aos donos dessas instituições. O ensino superior privado parecia salvo.
A Universidade Nova e o REUNI
No cenário atual, entretanto, o mercado das universidades privadas parece não dar mais conta da formação de mão-de-obra especializada que as elites julgam necessária para garantir o crescimento econômico do país. E o REUNI parece surgir para suprir essa falta. O REUNI é um projeto de reestruturação das universidades públicas proposto pelo Governo Federal e fortemente inspirado no modelo europeu de "universidade nova".
O atual Ministério da Educação parte do diagnóstico (correto, a nosso ver) de que o atual ensino superior brasileiro é uma criação da ditadura, extremamente arcaico e elitista, o que torna necessária uma ampla reestruturação. Não costuma mencionar, no entanto, que o ensino superior privado também foi criado pela ditadura militar e, a exemplo do que fazia o predecessor Paulo Renato, sempre tenta se esquivar quando são apontadas as semelhanças entre seus projetos de reforma e os acordos MEC/USAID.
Para o MEC, o mercado e as relações de trabalho se tornaram extremamente voláteis, de forma que um estudante não poderia mais passar quatro ou cinco anos em uma universidade, e seria necessário tornar os cursos universitários mais "ágeis" e "flexíveis". Em outras palavras, um mercado de trabalho precário exigiria a precarização da universidade pública. Dessa forma, o Governo propõe a criação de "ciclos básicos" com cerca de dois anos de duração, ou seja, transformar a universidade em uma extensão do ensino básico, possibilitando a qualificação da mão-de-obra dos alunos que nela ingressem. Após a conclusão do ciclo básico, pelo que indica o projeto, apenas os alunos com melhores notas poderiam prosseguir na universidade.
Ainda de acordo com o MEC, a criação destes ciclos tornaria mais barato o custo com os alunos nas universidades, possibilitando uma "grande ampliação das vagas" existentes. E, para que isso seja possível, é necessário "aproveitar as estruturas físicas existentes e o mesmo corpo docente". Isso é, as mesmas salas de aula serão utilizadas e não serão contratados novos professores. O que implica em um ensino com salas de aula superlotadas e professores sobrecarregados. Mas o Governo Federal promete "premiar" as universidades que aceitarem o REUNI com aumento de verbas, o que torna seu projeto bastante sedutor para algumas reitorias.
Como esse aumento de verbas, todavia, será insuficiente dadas as necessidades das universidades federais, o REUNI também possibilita maior facilidade nas parcerias entre os cursos universitários e as fundações e empresas privadas no que diz respeito ao financiamento de pesquisas. As parcerias com o capital privado, que são vistas como fabulosas por alguns, comprometem profundamente a autonomia da universidade e podem torná-la completamente submissa ao interesse das grandes empresas. Um caso emblemático nesse sentido é o da faculdade de Farmacologia da USP que, há alguns anos, era referência mundial na produção de medicamentos para doenças tropicais. Após a parceria com uma fundação, no entanto, a faculdade passou a pesquisar e produzir, quase que exclusivamente, produtos de beleza.
Dessa maneira, percebemos que algumas reivindicações históricas de docentes, técnicos administrativos e estudantes, como a ampliação de vagas e o aumento de verbas para a universidade, são usadas pelo Governo Federal para legitimar um projeto de universidade que propõe uma relação ainda mais direta entre universidades e mercado de trabalho. Fica claro para nós que o REUNI é incapaz de solucionar a contradição neoliberal de ampliar e democratizar o acesso ao ensino superior público sem instrumentalizá-lo e torná-lo ainda mais funcional e dependente dos interesses do mercado. Muito pelo contrário, o projeto tem como pressuposto básico para a massificação da universidade pública a própria submissão do conhecimento ao mercado.
Projetos como o PROUNI e o REUNI demonstram a profunda crise do modelo atual de universidade pública e da própria cultura bacharelesca brasileira. E em resposta ao corporativismo acadêmico e ao acesso restrito às universidades surge a "democracia de mercado", ou seja, a formação massiva de mão-de-obra especializada como cerne da universidade. Em oposição a um ensino de qualidade para poucos, coloca-se um ensino precário e ainda mais voltado aos interesses do mercado para um número maior de pessoas. Número esse que, embora maior, continuará sendo baixo e mantendo a imensa maioria da população longe das universidades.
Dessa forma, chegamos a um impasse. Defender o modelo de universidade proposto pelo Governo, que contempla um número maior de pessoas apenas com a finalidade de aumentar o percentual mão-de-obra qualificada, ou defender o modelo tradicional, elitista e corporativo? A nosso ver, nenhuma das duas opções parece muito satisfatória. E mais do que nunca se torna necessário levantar a bandeira do ensino superior público, gratuito e de qualidade para todos. E por acreditarem nisso, milhares de estudantes pararam as suas universidades no último ano. Contra a imposição verticalizada do REUNI pelas reitorias, muitas das quais buscaram implementar o projeto sem efetuar qualquer discussão com a comunidade universitária, o movimento estudantil se levantou em 2007 ocupando reitorias e comandando greves em diversas universidades federais.
O que é importante notar é que, evidentemente, ainda que o REUNI seja muito útil para qualificar a mão-de-obra que as elites necessitam para expandir seus negócios e competir no mercado internacional, criando novos auxiliares de escritório, secretárias, etc., este modelo de universidade pública não serve para educar os filhos desta mesma elite e nem mesmo dos segmentos mais abastados da classe média. Assim sendo, será aberto um novo mercado para que a elite econômica, que poderá criar novas instituições privadas de "excelência", com mensalidades caríssimas
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