quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

NÓS, CONEXISTAS, SOMOS RESILIENTES?

Vulnerabilidade e resiliência

Isadora Garcia*


O contato com populações que vivem sob condições precárias de saúde e segurança, expostas a situações de risco pessoal e social, tem despertado o interesse por pesquisas que focalizam problemas sociais e a maneira como crianças se desenvolvem nesse contexto.(3) Estes estudos estão inseridos num novo paradigma da Psicologia do Desenvolvimento, que retoma a importância do ambiente e do indivídio em interação na análise do processo dinâmico de adaptação psicológica. (8)
Muitas crianças em nossa sociedade têm sido vítimas das mais diversas formas de violência. A violência doméstica e urbana,(2) assim como os maus tratos e abuso sexual(4) caracterizam-se por experiências que acarretam no acúmulo de fatores de riscos que prejudicam lentamente a personalidade do sujeito.(1)(2)
Atualmente, pesquisas visam a entender como e porquê algumas crianças expostas a essas experiências se desenvolvem adequadamente e tornam-se adultos saudáveis. Estas crianças, que tiveram força para enfrentar as dificuldades do ambiente e responderam a desafios cancelando o impacto negativo dos riscos, são chamadas resilientes.(3)(5)(10)

A resiliência pode ser entendida como a capacidade dos indivíduos de superar os fatores de risco aos quais são expostos, desenvolvendo comportamentos adaptativos e adequados.
Crianças resilientes são aquelas que, não apenas evitam os efeitos negativos associados aos fatores de risco, mas que desenvolvem competência social, acadêmica e vocacional.(3) Intrinsecamente, essas crianças apresentam um temperamento mais flexível, senso de que são capazes de modificar seu ambiente e acreditam que as novas situações ou mudanças representam uma oportunidade para melhorarem e se adaptarem, ao invés de perderem a esperança e expectativa.(2)(4) Outros(6) adotam esse termo, pois ser resiliente envolve, também, enfrentar dor, sofrimento e lançar mão de esforço pessoal.
Rutter(3) faz uma analogia com a imunização médica. Afirma que a resiliência é o produto final de um processo de imunização que não elimina o risco, mas encoraja o indivíduo a enfrentá-lo efetivamente. Como na vacina, a exposição a pequenas e sucessivas doses do agente patológico ajudam a desenvolver mecanismos que lutam contra a doença.
Os fatores de risco são responsáveis por acentuar a doença e/ou estados deficientes. Risco implica em resultados negativos e indesejáveis no desenvolvimento dos indivíduos. Tradicionalmente, esses fatores eram definidos por termos estáticos como estressor (pobreza, maus-tratos), porém hoje, atenta-se para a importância de analisar os fatores de risco enquanto processo.(3) Tem- se priorizado, sob essa perspectiva, analisar o impacto desses fatores e os mecanismos responsáveis por seus efeitos negativos sobre as crianças.
As crianças que vivenciam fatores de risco em seu ambiente e desenvolvem distúrbios evolutivos, problemas de conduta e/ou desequilíbrio emocional são chamadas vulneráveis. A vulnerabilidade aumenta a probabilidade de um resultado negativo na presença de risco.(3) Koller(9) compara o desenvolvimento de uma criança ao de uma planta. Com uma metáfora, diz que a criança é como uma semente, que lançada à terra, pode transformar-se em uma planta saudável. No entanto, necessita de cuidados para crescer, pois é um ser biológico que vive em um ambiente ecológico e complexo. Portanto, numa abordagem ecológica do desenvolvimento, ainda que vulnerável e lançada a uma terra árida, se encontrar algum auxílio, poderá ser uma sementinha que irá se desenvolver.
Partindo desse entendimento, algumas questões são apontadas. Que fatores interagem na relação das crianças com o ambiente de risco para que se tornem resilientes? Que fatores proporcionam o desenvolvimento da resiliência?
São vários os fatores que, associados, vão auxiliar a criança a desenvolver sua adaptabilidade, segurança, autonomia e criatividade. Esse auxílio consiste em mecanismos de proteção e recursos dos quais as crianças dispõem na sua rede de apoio social e afetiva.(9)
Para que esses fatores possam ser melhor compreendidos, é interessante partir do entendimento de que, segundo a literatura, existem três tipos de resiliência: social, acadêmica e emocional.(7) Então, os fatores e mecanismos de proteção mais importantes são identificados em cada um desses contextos.
No desenvolvimento da resiliência emocional, Rutter(7) aponta como fatores importantes as experiências positivas que levam a sentimentos de auto-eficácia, autonomia e auto-estima, capacidade para lidar com mudanças e adaptações, e um repertório amplo de abordagens para solução de problemas. Outros autores ainda apontam altos índices de empatia, locus de controle interno e desenvolvimento do ego, como indicativos de resiliência emocional em crianças
Com relação à resiliência acadêmica, a escola pode propiciar o aumento e o fortalecimento de habilidades de resolução de problemas e a aprendizagem de novas estratégias, bem como capacitar professores para auxiliar estudantes com dificuldades.(7)
A resiliência social apresenta como fatores protetivos o não envolvimento em delinqüência, ter um grupo de amigos e o sentimento de pertencimento ao mesmo, relacionamentos íntimos, bom vínculo com a escola, supervisão dos pais e familiares, estrutura familiar, 10)(7) bem como modelos sociais que promovam uma aprendizagem construtiva nas situações (familiares, escolares) e equilíbrio entre as responsabilidades sociais e as exigências por obter determinados benefícios.(4)
A família, além do que já foi dito, é um fator importante que se insere e interfere no desenvolvimento da resiliência nos três contextos abordados. Como fatores de proteção, são identificados o bom relacionamento familiar, a competência materna, a construção do apego e, conseqüentemente, a internalização do mesmo.(1) A transmissão de valores, assim como as atitudes positivas dos pais sobre a importância da educação para o futuro de seus filhos também têm papel fundamental no desenvolvimento de crianças resilientes. Pesquisas mostram que essas atitudes colaboram para um melhor desempenho escolar, da mesma forma que ajudam a criança a ser mais competente socialmente no futuro.(7)
Os estudos sobre resiliência permitem uma melhor compreensão a respeito da realidade das crianças e adolescentes da nossa sociedade que vivem em condições de vida precárias e adversas. Nessa perspectiva, penso que devemos direcionar nossas ações sempre num enfoque preventivo, que visem a promoção do bem estar e da saúde para uma melhor qualidade de vida.
No entanto, o modelo de pesquisa no qual esses estudos têm se apoiado, apresenta um método que parece insuficiente para uma compreensão dinâmica dos fatores envolvidos no desenvolvimento dessa capacidade. O número de variáveis a serem investigadas é muito grande, o que faz da validade dos resultados, ainda uma questão aberta. O que se pensa é que a possibilidade de generalizações para outras culturas é desconhecida.(7)
Acredito que uma investigação que tenha como pano de fundo esse entendimento, certamente não poderá perder de vista as inúmeras variáveis que envolvem o desenvolvimento da resiliência ou, na contrapartida, da vulnerabilidade. Quero dizer com isso, que os fatores de risco, bem como os fatores protetivos aos quais as crianças e adolescentes estão submetidos e/ou têm acesso, devem ser o ponto de partida das análises, sendo identificados no contexto da comunidade em que se atua. Isso fará com que se tenha um conhecimento local do campo de atuação, favorecendo a geração de programas comunitários e preventivos específicos para a população à qual se dirigem. Esses programas direcionariam planos de ação que abarcassem as necessidades da realidade a ser trabalhada. Entendo que com esse direcionamento, os fatores de risco poderiam ser gradualmente amenizados. Por outro lado, e ainda mais importante, teríamos a promoção dos fatores protetores, o que faria com que a população tivesse cada vez mais acesso a eles, indo em busca, ou mesmo, criando seus próprios mecanismos de proteção.

Bibliografia
1. Celia, S. Promoção da saúde e resiliência. In: Fichtner, N. (org.) Prevenção, diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais da infância e da adolescência: um enfoque desenvolvimental. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.
2. Celia, S. Grupos comunitários. In: Zimerman, D., Osorio, L.C. Como trabalhamos com Grupos. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.
3. Cowan, P. A., Cowan, C. P., Schulz, M. S. Thinking about risk and resilience in families. In: Hetherington, e. M., Blechman, E. A. Stress, coping, and resiliency in children and families. Mahwan, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1966.
4. Fuentes, L. B., Serrano, R. H., Colmenarez, A. P. et al. El abuso sexual en niños e jovenes. Caracas: Ediluc., 1988.
5. Garmezy, N. & Masten, A. Chronic adversities. Em M. Rutter, E. Taylor & L. Hers (Orgs.) Child and adolescent psychiatry. Oxford: Blackwell Scientific Publications, 1994.
6. Henderson, N. & Milstein, M. M. . Resiliency in schools: Making it happen for students and educators. Califórnia: Corwin, 1966.
7. Hutz, C., Koller, S., Bandeira, D. Resiliência e vulnerabilidade em crianças em situação de risco. In Koller, S. (Org.) Aplicações da Psicologia na Melhoria da Qualidade de Vida. Porto Alegre: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia. Coletâneas da ANPEPP, 1996; 1 (12)
8. Jessor, R.. Sucessful adolescent development among youth in high-risk settings. American Psychologist 1993;. 48, 117-126.
9. Koller, S. (1999). Violência Doméstica: uma visão ecológica. Em AMENCAR (Org.) Violência doméstica, 1999.
10. Rutter, M. Psycholsocial resilience and protective mechanisms. In: Rolf, J., Masten, A. S., Cicchetti, D. et al. Risk and protective factors in the development of psychopathology -) Cambridge, 1990.

Nenhum comentário: