terça-feira, 4 de março de 2008

Para além do Pensamento Abissal

Para além do Pensamento Abissal

Das linhas globais a uma ecologia de saberes

Na primeira parte do ensaio, argumenta-se que as linhas cartográficas "abissais" que demarcavam o Velho e o Novo Mundo na era colonial subsistem estruturalmente no pensamento moderno ocidental e permanecem constitutivas das relações políticas e culturais excludentes mantidas no sistema mundial contemporâneo. A injustiça social global estaria, portanto, estritamente associada à injustiça cognitiva global, de modo que a luta por uma justiça social global requer a construção de um pensamento "pós-abissal", cujos princípios são apresentados na segunda parte do ensaio como premissas programáticas de uma "ecologia de saberes".
O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal.[1] Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo "deste lado da linha" e o universo "do outro lado da linha". A divisão é tal que "o outro lado da linha" desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível.[2] Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. A característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da co-presença dos dois lados da linha. Este lado da linha só prevalece na medida em que esgota o campo da realidade relevante. Para além dela há apenas inexistência, invisibilidade e ausência não-dialéctica. Para dar um exemplo baseado no meu próprio trabalho, tenho vindo a caracterizar a modernidade ocidental como um paradigma fundado na tensão entre a regulação e a emancipação social.[3] Esta distinção visível fundamenta todos os conflitos modernos, tanto no relativo a factos substantivos como no plano dos procedimentos. Mas subjacente a esta distinção existe uma outra, invisível, na qual a anterior se funda. Esta distinção invisível é a distinção entre as sociedades metropolitanas e os territórios coloniais. De facto, a dicotomia regulação/emancipação apenas se aplica a sociedades metropolitanas. Seria impensável aplicá-la aos territórios coloniais. Nestes aplica-se uma outra dicotomia, a dicotomia apropriação/violência que, por seu turno, seria inconcebível aplicar deste lado da linha.

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